Decidi escrever esse post sobre o que é prescrição para colocar em discussão um tema que com frequência gera polêmica entre os profissionais da saúde. Está circulando no Facebook uma imagem de uma receita médica onde existem diversos exercícios, alguns indicados outros contra indicados.

 

A imagem foi compartilhada por profissionais de Educação Física que em sua grande maioria criticam a prescrição feita pelo médico, discordei da opinião, pois onde vêem prescrição eu vejo apenas uma indicação, mal feita, e uma enorme tempestade em copo d´água… Vou tomar esse caso como ponto da partida para essa discussão.

Primeiro vamos ao dicionário para saber o que ele nos diz sobre a palavra prescrição (excetuando-se o significado jurídico que não é pertinente à essa discussão):

Ato ou efeito de prescrever

  1. ordem expressa e formal aquilo que se recomenda praticar;
  2. norma, preceito, regra indicação exata;
  3. determinação, ordem
  4. receita médica
  5. Derivação: por extensão de sentido. Rubrica: medicina. Conjunto de todas as medidas não cirúrgicas (medicamentos, dietas, outros cuidados etc.) determinadas pelo médico para o tratamento de um doente

Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa

No contexto histórico a prescrição de qualquer procedimento relativo à saúde do indivíduo é prerrogativa do médico, explicado pela prática da medicina ser mais antiga do que outras práticas na área da saúde.  Hoje a medicina não está mais sozinha, embora tentem, através do ato médico retroceder.

Diversos profissionais da saúde fazem prescrições, relativas à sua área, inclusive os Profissionais de Educação Física.  O grande desafio está em separar o que cada um pode fazer para colaborar, sem interferir na área do outro.  E não só entre médicos e profissionais de educação física, mas entre médico e nutricionista, profissionais de educação física e nutricionistas, médicos e fisioterapeutas e assim por diate, nas mais diversas combinações.

o que é prescrição de exercícios

O que é a prescrição na  medicina?

Se o médico não foi o primeiro profissional a trabalhar com prescrição é sem dúvida o mais conhecido pelo seu uso (e porque não respeitado).  Antes de julgar precisamos entender em que consiste uma prescrição feita pelo médico. Ainda que a uma parte dos médicos não cumpra na íntegra, existem uma série de recomendações no que dizem respeito à prescrição e que são ensinadas durante o cursos de Medicina. Não vou descrever todas aqui, pois a maior parte diz respeito aos medicamentos, apenas algumas que interessam à outros profissionais de saúde:

A prescrição médica é a orientação por escrito do tratamento, não se restringe à medicamentos, contém medidas não medicamentosas.

Uma boa prescrição depende do nível intelectual e de atenção do paciente. O que fica escrito tem menos chance de erro e pode permitir a orientação por outras pessoas.

Orientações gerais como dieta, cuidados etc, devem fazer parte da receita

Sendo assim é normal, obrigatória e diria desejável que exercícios façam parte dessa orientação por escrito feita pelo médico.  A questão é até onde essa orientação sobre exercício invade a área de atuação do Profissional de Educação Física?

O que é prescrição na Educação Física?

Na Educação Física não temos uma definição clara sobre prescrição, alguns profissionais de educação física consideram que um médico ou nutricionista ou qualquer outro profissional da saúde que indiquem uma caminhada, uma corrida ou determinado exercício, já estariam prescrevendo.

Eu entendo por prescrição não apenas a indicação do exercício ou atividade em si, mas seu volume e sua intensidade. Na minha opinião dizer ao paciente faça caminhada, ou não faça aulas de spining, ou faça exercícios na cadeira extensora, não caracteriza a prescrição do exercício.

O que é bem diferente de dizer faça 3 séries de 1o repetições, com 5 kg na cadeira extensora ou ainda, caminhe durante 30 minutos em uma velocidade de 5km/h.

E você como definiria a prescrição na Educação Física?

O que pode e o que não pode

O que um profissional pode ou não pode fazer é determinado pelo seu conselho profissional. Na área da saúde existem procedimentos que são comuns à mais de uma profissão.

Por exemplo a Educação Física e a Fisioterapia tem na prescrição do exercício um procedimento comum, embora na maioria das vezes tenham objetivos diferentes, pois o Profissional de Educação Física responde pelo condicionamento e o fisioterapeuta pela reabilitação, embora ambos possam usar o exercício de forma preventiva. A Medicina e a Odontologia tem na cirurgias buco ­maxilo ­faciais um procedimento que pode ser feito tanto pelo médico como pelo cirurgião-dentista. E poderia citar vários outros exemplos que não ferem a ética da própria profissão.

No caso do Profissional das atribuições do Profissional da Educação Física,  a Lei Federal Nº 9.696, de 1 de setembro de 1998, no seu artigo 3º diz:

Compete ao Profissional de Educação Física coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar treinamentos especializados, participar de equipes multidisciplinares e interdisciplinares e elaborar informes técnicos, científicos e pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto.

No caso do médico e a prescrição do exercício, que iniciou toda essa discussão, em qualquer uma das visões apresentadas, poderia ser feita sem ferir a ética profissional uma vez que se trata de tratamento preventivo (primário, secundário ou terciário), o que o médico não poderia fazer é colocar a mão na massa, ir para a sala de musculação, por exemplo e acompanhar o treino.

De qualquer forma essa é uma questão que deve ser resolvida entre os conselhos, assim como a Odontologia conseguiu desvincular uma série de procedimentos da medicina. Enquanto isso não acontece o que podemos fazer além de espernear nas redes sociais, com argumentos vazios?

Prescrição e multidisciplinaridade

O sonho dos profissionais da saúde é conseguir fazer um trabalho multidisciplinar sem se preocupar com o comportamento invasivo e por vezes antiético na sua área de atuação. É muito difícil, principalmente nos grandes centros, que a atuação multidisciplinar ocorra em um mesmo local. O aluno treina em uma academia perto de casa, vai ao médico perto do trabalho e ao nutricionista ou psicólogo no bairro em que o plano de saúde disponibiliza atendimento. A comunicação inicial entre esses profissionais se dá por documentos escritos (que como vimos no caso dos médicos é chamado de prescrição), em caso de dúvida, cabe um telefonema para saná-las.

É bom lembrar que como toda relação multidisciplinar os profissionais podem discordar entre si, e é preciso estar preparado para argumentar, como foi dito em um outro post é preciso mostrar profundidade do conhecimento profissional e falar com propriedade.

Como o que originou nossa reflexão foi justamente uma imagem de receita médica com indicação e contra-indicação de exercícios, vamos nos ater à ela.

O que eu observei

  • Uma orientação com indicações e contra indicações, muito mal elaborada (inclusive com erro de português). O médico poderia e deveria ter sido mais cuidadoso, principalmente por ser essa uma das recomendações feitas nas orientações que recebem de como fazer uma prescrição
  • Seria desejável que essa orientação viesse com uma indicação para ser entregue ao Fisioterapeuta ou Profissional de Educação Física, para não haver equívoco por parte do cliente/paciente à quem se destina. 
  • Outro ponto que seria desejável é que a patologia ou a suspeita estivesse escrita, o que poderia constar em outra folha que não foi divulgada. Não dá para saber. Identificando o problema o profissional que fosse fazer o atendimento teria condições de fazer modificações conforme seu conhecimento sobre o assunto e até dependendo da disponibilidade de material.
  • Uma vez que a prescrição seria direcionada à outro profissional, é desnecessário que fosse especificado cada equipamento, mas não errado. Poderia neste caso constar apenas fazer exercícios em CCA, não fazer em CCF , fortalecer o músculo xyz. De qualquer forma logo no início está escrito: “deverá ter na sua série” dando a entender que o treino não se resumiria apenas ao que está escrito.
  • Não descrever os músculos a serem trabalhados e sim os equipamentos leva a outro questionamento. Os médicos não confiam no conhecimento dos Profissionais de Educação Física/Fisioterapeutas ou foi um caso isolado? Se não foi um caso isolado, se de maneira geral os médicos não confiam no conhecimento dos outros profissionais da saúde, como mudar essa percepção?
  • Quanto ao questionamento ou resistência por parte do aluno que poderia ocorrer ao substituir algum exercício. Por exemplo na falta da adutora/abdutora usar caneleiras. Ou até mesmo a não seguir o que está descrito por discordância, cabe ao profissional argumentar e inclusive se recusar prescrever um exercício que no seu entender fosse prejudicial. 

Publicação original feita em 28 março de 2013.