A descoberta de um novo ligamento no joelho: ligamento anterolateral (LAL) foi notícia em diversos sites. Segundo os pesquisadores esse novo ligamento teria uma relação estreita com a recuperação nas lesões do LCA (ligamento cruzado anterior), e só isso já é motivo de comemoração. O fato é que a notícia causou em mim, e acredito que em outras pessoas, espanto. Em pleno ano de 2013 ainda existem estruturas anatômicas desconhecidas? Além disso outra pergunta ficou pairando na minha cabeça: o que muda na pratica, a descoberta do novo ligamento do joelho? Parti para a investigação.
Cirurgiões belgas publicaram um estudo no Journal of Anatomy no qual relatam a descoberta de um novo ligamento, o LAL (ligamento anterolateral) – clique aqui para ler – quase que concomitantemente pesquisadores da USP também publicaram um estudo sobre o tema – leia aqui e consegui entrevistar por e-mail um deles!
O principal ponto em comum em ambos estudos se refere ao avanço que essa descoberta pode ter no tratamento cirúrgico do LCA. Os brasileiros afirmaram que as lesões do LCA estão entre as mais frequentes encontradas na literatura ortopédica brasileira e mundial, com uma incidência aproximada de 200 mil reconstruções ao ano nos Estados Unidos e também que: “Existem pacientes com instabilidade residual do joelho após cirurgias tecnicamente adequadas, o que justifica a constante e intensa busca por aprimoramento nessa área da cirurgia do joelho.” No estudo belga não é diferente os pesquisadores também acreditam que problemas no novo ligamento seja a causa de reclamações de pacientes submetidos a cirurgias aparentemente bem sucedidas de LCA, que continuam com instabilidade no joelho.
Em pleno ano de 2013 existem estruturas anatômicas desconhecidas?
Minha primeira reação ao ver a divulgação da notícia em uma rede social foi ignorá-la achando se tratar de um hoax, alguma pegadinha. Em seguida comecei a ver comentários de profissionais conceituados, colegas e ex-professores, então fui atrás da notícia original e do estudo publicado. Peguei também meu Atlas de Anatomia, afinal não era possível que em plena metade da segunda década do século XXI o corpo humano ainda não tivesse sido desmontado como um brinquedo de feito de Lego. Certamente encontraria o tal ligamento ali no meu Atlas. Ele não estava lá…
A resposta, que para mim era impossível de pensar, é sim existem estruturas anatômicas desconhecidas! Além do novo ligamento no joelho, este ano foi também descoberta uma nova camada da córnea humana. Na verdade essa estrutura no joelho já havia sido descrita em 1879 por um cirurgião francês, mas somente agora foi reconhecida. Apareceu em 97% dos joelhos dissecados pelos belgas e 100% dos dissecados pelo brasileiros (embora a amostra brasileira fosse bem menor). Portanto se passou pela sua cabeça algo sobre a teoria evolucionista, como já vi em comentários pelas redes sociais, esqueça! O novo ligamento no joelho sempre esteve ali, só não tinha sido classificado como tal.
Conversando com uma colega de faculdade, a pesquisadora Profa Drnda. Ursula Soci, aluna do laboratório de bioquímica e biologia molecular do exercício da EEFEUSP, sobre a falsa impressão de que a anatomia fosse uma ciência estagnada ou esgotada, me deparei com questões filosóficas interessantes que envolvem estudos científicos de uma maneira geral. “A ciência ,ela descreve a realidade ou cria modelos para fazer previsão? Cada cientista tem uma postura perante ela? E na verdade ninguém sabe o que é a realidade, porque ainda que tentemos ser imparciais somos condicionados pelos nossos sentidos, pelo contexto social, pela nossa história.” , disse a Ursula. Trata-se de uma linha da filosofia da ciência que divide os cientistas em realista e anti-realistas. Para quem desejar entender um pouco melhor ela recomendou a leitura do capítulo Uma breve história da fisiologia de Hamilton Haddad Junior que está no livro Fisiologia de Margarida de Mello Aires.
De qualquer forma ao questioná-la como a descoberta foi recebida pela comunidade científica a resposta foi positiva, receberam bem principalmente aqueles que se dedicam ao estudo da anatomia e não é para menos!
Bate papo com o autor do estudo brasileiro sobre novo ligamento no joelho
Enviei um e-mail para o autor do estudo brasileiro, Dr. Camilo Partezani Helito, fazendo dois questionamentos o primeiro sobre o que relatei acima, da anatomia ainda ter o quê descobrir e o segundo sobre como a descoberta do LAL afeta a prática e a prescrição do exercício. Fui prontamente respondida e só tenho a agradecer pelo tempo dispensado a esclarecer minhas dúvidas que com certeza serão também as dúvidas de outras pessoas.
O Dr. Camilo explica que esse ligamento está sendo amplamente estudado pelo IOT-HCFMUSP (Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), com esse trabalho publicado e outro em vias de publicação em revista internacional (Orthopaedic Journal of Sports Medicine). Além do grupo liderado pelo Dr. Camilo, pesquisadores belgas e franceses também se dedicam no desenvolvimento de pesquisas abrangentes sobre esse tema específico.
Ele disse que a anatomia parece uma área esgotada, mas ainda existe muito a ser descoberto. Especificamente sobre o LAL explica que a descrição inicial foi de uma banda resistente e fibrosa na região anterolateral do joelho e que posteriormente foi citado por diversos autores com denominações diferentes, que aos poucos se preocuparam em descrevê-lo com clareza. Por exemplo, para ter certeza que se trata de um ligamento era necessário verificar a estrutura do tecido, para isso foram feitas análises histológicas. Houve também um maior cuidado em definir sua localização exata, em relação à outras estruturas conhecidas.
A motivação em estudar essa região, mais especificamente essa estrutura, se deu pela combinação entre a alta incidência de lesões no LCA , a porcentagem das reconstruções desse ligamento evoluírem com um mal resultado apresentando algum grau de instabilidade rotatória no joelho e a possibilidade do LAL ser importante para diminuir o número, do que o Dr. Camilo chamou, de falhas.
As pesquisas sobre o LAL estão em fase inicial, ao mesmo tempo já existem estudos biomecânicos que relatam a importância da região anterolateral na instabilidade rotatória do joelho, embora nenhum deles tenha se focado nessa estrutura especificamente. Havendo a confirmação das suspeitas sobre a importância do LAL, poderá haver um aperfeiçoamento das cirurgias de reconstrução ligamentar do joelho.
O que muda na prescrição do exercício?
Por enquanto nada! Um programa de exercícios, bem elaborado, com foco no fortalecimento da musculatura dos membros inferiores levando em consideração o equilíbrio de forças entre a musculatura anterior e posterior, conforme as exigências específicas na prática de cada modalidade, continua sendo a recomendação para evitar lesões e provavelmente isso não irá mudar.
O mesmo vale para a reabilitação, embora seja recomendado para aqueles que passaram por cirurgia de reconstrução ligamentar sem muito sucesso, futuramente consultarem novamente o médico para saber se houve algum avanço e se existe algo que possa ser feito para melhorar.
Ainda são necessários muitos estudos para que se chegue à alguma conclusão sobre o assunto, conforme relatou o Dr. Camilo, por isso é importante que Profissionais de Educação Física fiquem atentos principalmente aos estudos biomecânicos que certamente virão por aí, para nortear práticas futuras.