Quando fazia faculdade ouvi de um professor que a maioria das lesões ocorridas nas academias ocorriam por acidentes causados pelo mau uso/manipulação/manutenção dos equipamentos e não pela execução dos exercícios em si. Na época ele citou um estudo, que é obvio, não lembro, mas a diferença estatística era gritante. De acordo com a National Electronic Injury Surveillance System (NEISS), entre 2007 e 2010 houve um aumento de 45% a quantidade de acidentes em exercício e equipamentos para se exercitar. Minha experiência prática também mostrou isso, foram inúmeras vezes que presenciei algum tipo de acidente na academia. A forma de evitá-los passa pelo bom senso, manutenção preventiva e orientação profissional.
Há alguns dias um acidente na academia chamou a atenção da mídia e da comunidade de profissionais de educação física. Uma moça fraturou a coluna após cair de um equipamento no qual fazia exercício abdominal. Isso aconteceu em uma academia em São José do Rio Preto – SP. Embora a alegação seja que a fita que segurava os pés da moça, que fazia abdominal em posição invertida, tenha arrebentado, a causa real foi o uso inadequado do equipamento. Ela fazia abdominais no banco para fazer rosca scott e claro que poderia ser evitado. Outro aspecto que tem me chamado a atenção, nesse caso, são os inúmeros relatos de profissionais falando que é comum usar esse equipamento para fazer abdominais e que o correto (sic!) é ter um companheiro segurando os pés, ao invés da fita usada pela moça. Desculpe, correto é não usar um equipamento projetado para treinar bíceps, para fazer abdominais. E pior, esse não é o único equipamento usado de forma errada por aí.
Veja o exemplo acima:
O primeiro exercício é igual ao feito pela moça que se acidentou, mas com ajuda, conforme algumas pessoas sugerem como “forma correta”. O segundo exercício é realizado em uma prancha própria para abdominais que possui o apoio para os pés.
O ângulo do exercício que ambos equipamentos permitem é quase o mesmo, mas nem toda academia disponibiliza um equipamento como esse. Nesse caso cabe ao professor, usar do seu conhecimento técnico biomecânico e propor um exercício que ofereça a resistência desejada, combinando a inclinação de um equipamento seguro e adequado, com o uso de cargas e mudança nos braços de alavanca do movimento.
Como evitar acidente na academia
Bom senso, manutenção preventiva e orientação profissional, essa é a chave para evitar acidente na academia.
Bom senso
Ah, esse bom, velho e tão esquecido amigo. O primeiro ponto que devemos analisar antes de fazer um exercício, não requer formação acadêmica. Pergunte-se: posso me machucar fazendo isso? Se a resposta for sim, não faça! Ainda que do ponto de vista biomecânico seja bom, certamente se você tem um bom conhecimento ou se seu professor tem, encontrará uma outra alternativa, mais segura.
Certa vez, vi o dono da academia em que eu trabalhava, um ex-fisiculturista, sem formação acadêmica, mas com muita experiência na área, inclusive como instrutor, em uma época que não existia o CREF, atravessar correndo a academia até a sala de musculação, com cara de poucos amigos. A academia era enorme, mas toda de vidro, ele parou o seu treino e foi até o Smith, um equipamento que tem uma barra guiada, usado para fazer agachamentos, afundos, e mandou a pessoa que usava o aparelho como leg press parar imediatamente. Na mesma hora chamou os professores que estavam presentes e deu um puxão de orelha, bem dado.
E se os pés escapassem da barra? Porque a criatura não estava fazendo um agachamento, ou usando o leg 45, ou, o hack ou mesmo o leg horizontal, todos disponíveis e adequados para treinar o grupo muscular desejado? E não me venha dizer que existem diferenças, elas são mínimas e não valem o risco.
Veja o exemplo acima:
O primeiro exercício é igual ao do meu relato, observe que os pés não têm uma base para apoio e que não há como travar o equipamento em caso de emergência. Na segunda imagem, é usado o leg vertical, ele tem uma boa base de apoio e trava de segurança (olhe a mão da moça). Não é um equipamento comum, nem todas as academias oferecem essa opção, neste caso vale a pena trocar de exercício, aumentar a carga usada e combinar com outro exercício para obter o resultado desejado.
Manutenção preventiva
Equipamentos sofrem desgaste, é normal. Por isso é muito importante que exista uma rotina de verificação dos equipamentos na academia, um check-list para ser feito de tempos em tempos. E até o rodízio de equipamentos menos usados, pelos mais usados, neste caso, me refiro aos equipamentos das salas de ginástica como: jumps, steps e bikes.
Os mais comum de acontecer é o rompimento de um cabo. Não é fácil, e não acontece de uma hora para outra, geralmente dá para perceber pois os fios do cabo de aço não se rompem todos de uma vez. Os que tem uma capa protetora, rompe primeiro a capa. Os pontos de fixação também são locais vulneráveis e devem ser observados. Outra parte que às vezes dá problema são os ajustes de bancos, dependendo do modelo.
Já tive o desprazer de presenciar um cabo de pulley arrebentar e a barra parar no pescoço do aluno, por sorte não causou um problema mais sério, foi apenas uma contusão. (UPDATE: 5 dias após escrever este post outro aluno se feriu em uma academia em São José do Rio Preto, justamente pelo rompimento do cabo do Pulley, que no caso, era feito de corda. Equipamentos muito, mas muito antigos usavam cordas, não tenho maiores detalhes. De qualquer forma, a corda também não rompe de uma hora para outra.)
Em uma outra academia, perto de onde eu morava, pedi demissão após solicitar por diversas vezes o conserto do firma pé das bikes e não ser atendida. Além do risco de eu me machucar, ainda seria responsabilizada se isso acontecesse com um aluno.
Orientação profissional
Aqui estou partindo do princípio que trata-se de um profissional com bom senso!
Muitos acidentes na academia são causados pelo mau uso dos equipamentos, por pura ignorância. O aluno simplesmente desconhece como usar, alguns resultados são bizarros. Quanto menos experiente é o aluno, mais atento deve estar o professor. Alguns equipamentos, aos olhos de quem não está acostumado, são muito parecidos, dois exemplos que poderia citar são: cadeira extensora e flexora, cadeira adutora e abdutora.
Por vezes, o aluno, tenta usar uma carga muito maior do que suporta e o resultado pode ser um grave acidente, como o atleta que morreu em decorrência da queda da barra de supino. E estou falando de um atleta, em competição, que contava com ajuda. Imagina na academia…
No quesito acidente na academia, as esteiras são as campeãs. Entre 2007 e 2011 as esteiras foram responsáveis por 66% dos acidentes envolvendo equipamentos nos Estados Unidos (incluindo acidentes domésticos e com crianças – lembra da filha do Mike Tyson, que morreu?).
Vamos para esteira e nos distraímos vendo TV, mexendo no celular, lendo e é assim que os acidentes acontecem. Na copa 2002, eu quase caí quando assistia o jogo e caminhava na esteira. O Brasil marcou um gol, eu esqueci que estava na esteira e pulei para comemorar. O acidente não aconteceu porque a chave de segurança da esteira, estava presa na minha roupa e ela parou. Em outra ocasião, um amigo, professor, pisou em uma esteira que estava em movimento e vazia, durante uma aula especial de halloween, na qual usávamos o equipamento, em uma sala pouco iluminada. Ele caiu e teve que ser levado às pressas para o hospital. Ficou engessado e afastado do trabalho por semanas.
De quem é a responsabilidade por acidente na academia?
Podem ser responsabilizados, civil e criminalmente, por acidente na academia, o professor o responsável técnico e o dono (gestor) da academia, por omissão, imprudência, imperícia e/ou negligência.
Por isso se você é professor e se depara com uma situação de risco, tem a obrigação de chegar no aluno e explicar que ele não pode fazer aquele exercício e o motivo. Sempre com muita educação e de preferência oferecendo uma alternativa mais vantajosa do ponto de vista do resultado que o aluno deseja.
Na academia devem haver regras claras sobre a utilização dos equipamentos e os profissionais devem ter respaldo nas suas decisões.